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Tempus Fugit, de Rubem Alves

Olá, leitores! Hoje, na data em que faz 2 anos da morte do Rubem Alves,
escolhi o livro mais recente que li dele para esse post. Sua sensibilidade sempre me toca!

Sabe aquele tipo de livro que fala sobre coisas tão simples, mas ao mesmo tempo, tão profundas?

Tempus Fugit, de Rubem Alves, é um desses. Um livro com poucas páginas mas que me fez derramar muitas lágrimas suaves, daquelas que não conseguimos evitar diante das belezas e verdades da vida. Ao final de cada capítulo, sem pressa de interromper as lágrimas, me permiti desfrutar desse momento de silêncio e reflexão. Sem dúvida, uma leitura que valeu a pena!

Tempus Fugit traz pequenas crônicas, passando por temas como vida, cotidiano, morte, amor, tempo, relação com a natureza, com as pessoas. Tudo se amarrando. E por muitas vezes, citando e concordando com outros autores, como Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Walt Whitmann. Um mestre falando de outros mestres 🙂

Antes de cada capítulo, um desenho singelo de Anna B. Badaró.

A primeira crônica  é “Relógio“. Ela que dá origem ao nome do livro, uma expressão latina que significa O Tempo Foge. 

“De dia tudo era luminoso. mas quando vinha a noite e as luzes apagavam, tudo mergulhava no sono: pessoas, paredes, espaços. Menos o relógio… (…) quando todos dormiam, ele acordava, e começava a contar estórias. Só muito tarde vim a entender o que ele dizia: “Tempus Fugit”. E eu ficava na cama, incapaz de dormir, ouvindo sua marcação sem pressa, esperando a música do próximo quarto de hora. Eu tinha medo. Hoje, acho que sei por quê: ele batia a Morte.”

“Quem sabe que o tempo está fugindo descobre, subitamente, a beleza única do momento que nunca mais será…”

De fato, não conseguimos correr atrás do tempo. Ele foge muito, muito rápido. Resta-nos acompanhá-lo, enquanto o temos!

Rubem Alves, nesse livro e em muitas outras ocasiões, mostrou o quanto amava a vida, e todas as coisas do cotidiano. Muitas delas que quase não damos atenção: cores, sabores, texturas… De fato, é como se nossos olhos tivessem sido desencantados. Mas Rubem, assim como Kahlil Gibran, conseguia ver a beleza (e ensino) da vida numa flor, numa plantinha com gotas de chuva, num casal de namorados, na partida. E de uma forma muito especial, nos ipês.

“Penso que os ipês são uma metáfora do que poderíamos ser. Seria bom se pudéssemos nos abrir para o amor no inverno…
Corra o risco de ser considerado louco: vá visitar os ipês. E diga-lhes que eles tornam o seu mundo mais belo. Eles nem o ouvirão e não responderão. Estão muito ocupados com o tempo de amar, que é tão curto.”

Ao ler a crônica “Minha horta, meu altar“, não pude deixar de pensar em meu papai. Há um terreno em frente à nossa casa que está à venda há alguns anos. E logo que foi posta a placa, meu pai pediu ao dono para que pudesse plantar algumas coisinhas lá enquanto o terreno não fosse vendido. Gentilmente o dono cedeu e vocês não tem noção de quanta coisa boa ali foram produzidas com o amor e cuidado: abóbora, chuchu, cana, milho, alface, mamão, couve, cheiro verde, batata doce, rúcula… (não tudo na mesma época, claro). A horta virou orgulho do meu pai, da família e da vizinhança.

E a relação de Rubem Alves com sua hortinha refletiu muito bem a que meu pai tem com a dele.

“A produção não é lá grande. Mas a imaginação e a alegria crescem ao ver a terra e as coisas que nela crescem e prometem. Para mim, aquela horta, que é mais que horta e jardim, é um altar. Altar é um lugar onde os olhos, ao verem as coisas que se podem ver, vêem também outras, com o olho interior”.

“Quem sabe  chegará um dia em que o mais belo altar do amor humano será aquele dos canteiros onde crescem as lições mais belas do sagrado, que são lições do valor supremo da vida que é oferecida pela terra…”

Nessa mesma crônica, Rubem declara seu desejo de que quando morresse seu corpo fosse cremado e as cinzas jogadas na raiz de um ipê amarelo. Ao ler esse trecho, na hora fui pesquisar, e conforme li aqui, seu pedido foi atendido (outra lágrima que cai).

Rubem Alves faleceu em 19 de julho de 2014, aos 80 anos. E me lembro desse dia. Estávamos num momento de festa, comemorando os 3 aninhos do meu sobrinho Nicholas. Então, durante a festa, vimos pela internet a notícia do falecimento. Já há alguns dias vinhamos acompanhando pela mídia seu estado grave de saúde, mas ao receber a notícia final, ficamos tristes. Apesar de não lembrar quem contou para quem, é nítida a cena em que eu e meus 2 irmãos mais velhos estamos reunidos num canto, comentando sobre a partida de Rubem. Ficou aquela saudade de alguém que gostaríamos de ter conhecido pessoalmente e muito respeito e admiração por quem ele foi. E uma forte vontade de seguir sua simplicidade e visão de vida.

Nesse post, minha homenagem.

“Acontece que somos por demais estúpidos, e pensamos que ela (a Felicidade) é coisa grande e barulhenta. Ao contrário, é discreta, silenciosa e frágil, como a bolha de sabão. Vai-se muito rápido, mas sempre se pode assoprar outras.”

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No meu caminho, um ipê roxo, cheio de amor nesse inverno

O Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos

Sim, foi só agora, depois de adulta, que li pela primeira vez Meu Pé de Laranja Lima.
Um livro que tocou meu coração como há muito tempo não acontecia.

Contado na visão do menino Zezé, O Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, nos faz voltar à fase de criança.

Uma época em que nos alegramos diante de coisas simples da vida, em que confiamos nas pessoas, e nos entregamos a quem nos dá afeto com todo o coração. Em que a imaginação nos leva aonde queremos ir. Em que os sonhos estão bem mais próximos do que qualquer realidade.

E é assim que Zezé vai vivendo sua infância. Ele é um menino pobre, que junto com a família já viu muita tristeza. Mas também podemos ver nessa família o cuidado dos irmãos entre si e a força de seguirem pela vida, assim como tantas outras famílias brasileiras.

Como o pai já está desempregado há algum tempo, a família precisa mudar de casa (o que é um trauma para qualquer criança). Mas logo que chegam à nova casa, cada criança busca reconhecer o terreno e adotar sua própria árvore. Sobra para o Zezé um pezinho de Laranja Lima, que no começo é desprezado, mas logo é convertido em amigo, confidente, consolo. É uma beleza de se ver! A arvorezinha ganha até  dois nomes: Minguinho e Xururuca.

“— Mas que lindo pezinho de Laranja Lima! Veja que não tem nem um espinho. Ele tem tanta personalidade que a gente de longe já sabe que é Laranja Lima. Se eu fosse do seu tamanho, não queria outra coisa.
— Mas eu queria um pé de árvore grandão.
— Pense bem, Zezé. Ele é novinho ainda. Vai ficar um baita pé de laranja. Assim ele vai crescer junto com você. Vocês dois vão se entender como se fossem dois irmãos. Você viu o galho? É verdade que o único que tem, mas parece até um cavalinho feito pra você montar.
Estava me sentindo o maior desgraçado da vida…”

E assim, acompanhamos Zezé em suas aventuras de criança (e às vezes de adulto, como quando trabalha para ganhar uns trocadinhos), mas sua maior aventura será a amizade que fará com o Sr Manuel Valadares, carinhosamente apelidado pelo menino de Sr. Portuga.

Um senhor rico que lhe dará muito amor, que o tratará como filho e lhe ensinará tanta coisa (até aquelas que Zezé não estivesse preparado para aprender)!

“Eu sorri cheio de dor, mas dentro daquela dor tinha acabado de descobrir uma coisa importante. O Português tinha se tornado agora a pessoa que eu queria mais bem no mundo”.

Confesso que quando comecei a ler sobre essa amizade eu precisei me esforçar muito para ver com bons olhos a relação de um senhor e uma criança. Precisei encher meu coração de pureza e confiança. Porque, infelizmente, algo que era muito comum (eu mesmo tive muitos amigos adultos), na nossa sociedade de hoje é preocupante. Fico triste de saber que o mal tem esse poder: o de nos fazer duvidar ao encontrar situações de bondade. Entendem o que quero dizer?

Mas quando conseguir “limpar” meu coração, ah, como essa amizade entre eles me tocou!

“Aí eu me aproximei bem dele e encostei minha cabeça junto ao seu braço.
— Portugal
— Hum…
— Eu nunca mais quero sair de perto de você, sabe?
— Por quê?
— Porque você é a melhor pessoa do mundo. Ninguém judia de mim quando estou perto de você e sinto um “sol de felicidade dentro do meu coração”.

Me tocou de tal modo, que quando foi preciso, chorei até não poder mais.

Pois o livro também nos leva para essa fase de criança em que as tragédias da vida nos alcançam cedo demais, e não temos a experiência necessária para lidar. E são poucos os adultos que sabem nos consolar, pois a maioria faz uso de argumentos, justificativas e sabedoria impossíveis de compreender.

Chorei por essa criança, e pela criança que ainda existe em mim. Porque mesmo quando crescemos, diante das tragédias da vida, tudo o queremos é encontrar um colo. 

Por fim, ao ler esse livro senti muita ternura. Pela vida, pelas pessoas, pelos meus sonhos.

“Foi você, quem me ensinou a ternura da vida, meu Portuga querido. Hoje sou eu que tento distribuir as bolas e as figurinhas, porque a vida sem ternura não é lá grande coisa.”

Se você ainda não leu essa história, leia. Se já leu há muito tempo, leia novamente. Temos vivido dias difíceis, e um pouquinho dessa ternura trará mais cor para nossa vida!

Bjs!

Uma notinha:

O Meu Pé de Laranja Lima foi publicado em 1968, foi traduzido para 32 línguas e publicado em 19 países. Do livro foram feitos um filme em 1970 que levou aos cinemas mais de 7 milhões de espectadores, além de 3 novelas de grande sucesso: TV Tupi   (1970); Rede Bandeirantes (1980 e 1998). Em abril de 2013 estreou uma nova adaptação com direção de Marcos Bernstei. A qual quero muito ver! (fonte aqui)

 

Ficha Técnica Meu-pe-de-laranja-limajpg
O Meu Pé de Laranja Lima
Autor: José Mauro de Vasconcelos
Editora: Melhoramentos
Ano: 2005 (edição 131)
Pág: 192
ISBN: 850605804X

Olhai os Lírios do Campo, de Erico Veríssimo

Olá, Pessoal! Hoje o post é sobre um dos livros da literatura
nacional que guardo com carinho no coração. Espero que gostem!

A primeira vez que li Olhai os Lírios do Campo, de Erico Veríssimo, foi no final de 2009. Na época, a Alaisa também estava lendo o livro, então, íamos compartilhando as impressões, com todo o cuidado de não dizer o que não devia (nem ligo pra spoiler, mas a Alaisa sim). Os personagens nos marcaram, e fez até a Alaisa decidir que se um dia tivesse uma filha, ela se chamaria Olívia (será que se mantém a decisão?).

Mas vamos ao livro! E já adianto as desculpas por ter ficado um post longo.

Olhai os Lírios do Campo foi escrito em 1938, e é considerado pelo Verissimo um marco em sua trajetória como escritor. Ele mesmo cita: “Posso afirmar que só depois do aparecimento de Olhai os Lírios do Campo é que pude fazer profissão da literatura”.

Tendo como pano de fundo a Revolução de 30, no Brasil, o livro conta a história de Eugênio Fontes, um rapaz que cresceu em meio à pobreza e privações. Seus pais fizeram todos os esforços para sustentar a família e dar educação aos dois filhos, mas Eugênio pouco soube reconhecer e honrar. Uma culpa que Eugênio levará pelo resto da vida. Há uma cena particularmente muito triste, em que junto de seus amigos “importantes”, Eugênio encontra-se com o pai na rua mas finge não conhecê-lo 😥

“À medida que progredia nos estudos e que se lhe alargava a visão do mundo, Eugênio sentia que, como um balão, ia subindo cada vez mais rumo das coisas superiores, deixando lá embaixo a família presa às suas necessidades elementares, aos seus solecismos, à sua absoluta ignorância, a uma vida que às vezes lhe parecia puramente vegetativa”.

E Eugênio leva também para a vida adulta um grande complexo de inferioridade. Em todo o tempo ele se vê humilhado, inferior, sem nenhum valor. Seja por não conhecer determinado filósofo, seja por estar vestindo uma roupa simples, seja por ser filho de um alfaiate, seja por ter um irmão bêbado. Mesmo quando encontra gente que o respeita e o valoriza, ele não consegue ver com bons olhos a consideração recebida.

No dia da sua formatura em Medicina ele começa uma amizade com Olívia, uma moça simples, sem grandes atrativos físicos. Olívia é cheia de paz, fé, sobriedade, bom senso. Tem um forte desejo de ajudar, de fazer a diferença. É uma personagem tão correta e do bem, que nos faz desacreditar da sua veracidade.

Ela se torna um refúgio para Eugênio. Uma amiga e amante que ouve suas confidências, que o incentiva a ser alguém melhor. E por ver nele uma luz que nem ele mesmo consegue enxergar, tenta a muito custo abrir seus olhos para si mesmo e para a vida.

“Mas que terá ela visto em mim? – perguntava-se ele. Que terei feito eu para merecer esse amor, essa dedicação, essa fidelidade que continua até mesmo na morte?”.

É como se Olívia exercesse um papel, muito nítido, de consciência moral, espiritual e social para Eugênio.

“Era lhe vagamente incômodo ser assim descoberto, assim adivinhado nos sentimentos mais íntimos. Ele relutava em concordar, em se dar por vencido. Mas era inútil. Os olhos de Olívia pareciam ver além de coisas físicas. E por que era que ele nunca se zangava, nunca se irritava com as observações dela, por mais diretas, cruas e contundentes que fossem? Por que era que ele não se irritava mesmo quando, com espantoso olho clínico, ela botava o dedo nas suas feridas mais profundas?”

Olívia também tenta mostrar para o incrédulo Eugênio o sentido da fé. Uma fé em Deus que se estende no amor ao próximo.

“A bondade não deve ser uma virtude passiva. No dia em que achei Deus, encontrei a paz e ao mesmo tempo percebi que de certa maneira não haveria mais paz para mim. Descobri que a paz interior só se conquista com o sacrifício da paz exterior. Era preciso fazer alguma coisa pelos outros”.

Enquanto a história de Eugênio e Olívia vai se desenrolando, vemos Eugênio exercendo a profissão de Medicina. Quando optou por essa profissão, ele acreditava que era uma forma de ajudar as pessoas de origem pobre. Mas logo se mostra a verdadeira razão. Ele sente repulsa ao atender os doentes, ao entrar em casa de gente pobre, em se ver ganhando pouco tostões, sem crescer na vida e na carreira. E percebe que a escolha foi mais por ajudar a si mesmo, ser importante, do que por pensar no outro. É nessa frustração na medicina que vamos percebendo como Eugênio tenta mascarar suas verdadeiras intenções.

E é numa moça rica que vê a oportunidade de mudar de vida. Eunice Cintra cativa Eugênio, que se sente atraído pela sua beleza e pela beleza de seu mundo. Para ele, fica muito claro o que fazer: casar-se. E chega a ser engraçado como vemos que, apesar dele se sentir apaixonado, ele reconhece o verdadeiro motivo de tal decisão: mudar sua vida. Puro interesse!

Eugênio conta a Olívia sobre sua decisão por carta, mas quando chega o momento da verdade dita cara a cara, vemos Eugênio lutando contra si. É um momento tenso e angustiante, e ficamos na expectativa de que ele voltará atrás.

“Contemplava Olívia. O luar lhe batia  em cheio no rosto. Ela era bela, duma beleza que nada tinha de agressivo, mas que jazia escondida como um tesouro; era serena e possuía algo que fazia pensar nas coisas eternas e imutáveis. Por que ele não a amava mais? Por que não abandonava Eunice  e tudo mais para se entregar por inteiro à Olívia?”

Olha, fiquei muito brava com Olívia. Realmente acho que ele devia ter sido menos… Olívia. Ela devia ter dito a Eugênio que o amava, e que mais nada importava. Que eles enfrentariam a vida juntos. Mas não foi o que fez. Em certa ocasião, alguns anos depois, Eugênio questiona Olívia por que ela não “lutou” por eles. Ela se explica: “Se eu te retivesse aquela noite tu passarias o resto da vida amargurado e arrependido, julgando que tua felicidade estaria nesse outro mundo em que hoje vives”.

Faz sentido. Há tombos que precisamos tomar, há decisões erradas que precisamos fazer… tudo para que possamos aprender e seguir um melhor caminho. É como se fossem feridas necessárias para nosso corpo e alma. Mas ainda assim, acho que se naquela noite tivessem lutado pelo que realmente queriam, muita dor teria sido evitada.

Pois bem. Eugênio casa-se com Eunice, e Olívia vai embora para outra cidade, rompendo contato com Eugênio.

Mas rapidamente Eugênio  percebe o tamanho do seu erro. O casamento não se tornou sua salvação, pelo contrário. É um casamento que evidencia as diferenças existentes, que o angustia ao extremo. Ele sabe que falta algo mais, que precisa de mais!

“No fim de contas que é ele ao cabo de tantas crueldades, de tanta agitação, de tantos conflitos? Nada. Um homem medíocre que, tendo procurado o sucesso através dum casamento rico, acabou encontrando nele apenas as mesmas inquietudes e incertezas do tempo de pobreza, a antiga e dolorosa sensação de inferioridade. Hoje ele é simplesmente o marido de Eunice Cintra”.

No entanto, sair do passo “saber” para o passo “fazer algo a respeito” exigirá muito esforço de Eugênio, um personagem até então acomodado e covarde. Será necessário outros golpes do destino para que ele consiga agir.

“O que havia por enquanto era a deplorável carne sem vontade que amava o conforto e se negava a desprender-se das coisas que lhe proporcionavam gozo, bem-estar”.

É na ausência de Olívia, mas com seus pensamentos e bondade constantemente presente, que Eugênio começa a dar os passos a sua liberdade. Sim, ele precisou se libertar das convicções materiais, da apatia, da insensibilidade.

“A vida deve ter um sentido. Agora ele começa a adivinhar nela contornos mais lógicos, o princípio dum desenho nítido. Ser bom e ser forte na bondade, fugir à violência e à ambição desmedida, ter olhos para a profunda beleza das coisas, ser às vezes como uma criança que está a todo o instante redescobrindo o mundo”.

Eugênio, enfim, começa a dar um jeito em sua vida, voltando inclusive a exercer a medicina, mas agora de corpo e alma. E assim, chegamos à parte final do livro. Um pouco mais extensa, ela trata principalmente de diversos casos e vidas que o Dr Eugênio Fontes, em companhia do amigo Dr Seixas, cuida. É nessa parte do livro que vemos Eugênio amadurecendo, se humanizando, se transformando no Eugênio que tanto Olívia acreditou.

“Quando os clientes saíram, Eugênio escancarou a janela, sorveu demoradamente o ar fresco da tarde. De certo modo se sentia alegre. Começava a tomar a vida pelos ombros e tenta beijá-la na face, como lhe aconselhava Olívia. Era um beijo de sacrifício que ele dava ainda com alguma repugnância, num desfalecimento de medo, violentando a sua natureza mais íntima. Mas havia nesse beijo um estranho elemento de fascínio. E ele sabia – se sabia! – que um dia, não muito remoto, ele ainda beijaria com amor essa mesma vida incoerente , sórdida, brutal e apesar disso, ou talvez por isso mesmo, bela”.

Olhai os Lírios do Campo é uma história bela. Ela mostra realidades, inquietações, reflexões. Ao mesmo tempo que queria sacudir o Eugênio, gritar para ele sair de seu mundinho, eu também quis abraçá-lo. Porque muitas vezes vi nele um adulto que trouxe as marcas da criança maltratada, que não soube apreciar o valor de quem estava presente enquanto era tempo, que não sabe para onde está indo.

Porque eu também sou “Eugênio” em muitos momentos da minha vida! Tenho medo do futuro, de ter errado feio no passado, de não estar onde deveria estar nesse presente.

E aí, apenas preciso me lembrar de que “a vida começa todos os dias” e de que há Deus cuidando de mim: “Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas? E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura? E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam; E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles”. Mateus 6:26-29

Outras coisas belas que a história reforçou no meu coração:
– Tem gente que nos põe para baixo. Tem gente que nos põe para cima, mesmo quando nos diz o quanto somos “baixos”. Ao lado de que tipo de gente quer estar? Que tipo de gente deseja ser?
– Muitas das nossas complexidades são irreais, infundadas. Nem sempre as pessoas estão nos olhando “torto”. Muitas vezes somos nós que distorcemos a forma como o outro nos vê.
– Reforço ao que escrevi nesse outro post, sobre a importância das pequenas coisas. Eugênio não pode mudar o cenário da saúde publica em todo o país, mas tinha nas mãos a possibilidade de fazer a diferença em cada atendimento prestado.
– O amor é raro. E deixá-lo escapar pode ter resultados irreversíveis.
– Um trabalho digno sempre merecerá respeito e louvor. Sobre esse tema, compartilho aqui uma reflexão que fiz ao pensar no valor que meu pai me ensinou sobre o trabalho.
– Pessoas são mais importantes do que coisas. Sempre. Mudar essa ordem traz tristes consequências para todos.

Bem, é isso. Terminei a releitura desse livro feliz.

“Felicidade é essa certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente

 

Ficha TécnicaOlhai-os-lirios
Olhai os Lírios do Campo
Autor: Erico Verissimo
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2005
Pág: 288
ISBN: 8535906096